18.1.12

A figueira


Na Rua Antônio João, onde hoje está localizada a Prefeitura Municipal que neste artigo passarei a denominar de Palácio da Figueira valorizando assim o Paço e a árvore centenária, existiam duas enormes figueiras. Comenta-se que existiram três figueiras, porém eu conheci apenas as duas de meus tempos de criança, e como só comento e escrevo os fatos que conheci pessoalmente ou com eles convivi, vou ficando com minhas verdades.

Era um quarteirão inteiro para que elas se desenvolvessem e ainda restava espaço para um campo de futebol. Em suas sombras, nos finais de semana funcionava a Feira Municipal. Houve tempo em que se tentou cercar aquela área com paredes de tábua, na tentativa de cobrar ingressos para acesso aos jogos do Campeonato Amador de Futebol. As paredes foram arrancadas e as duas árvores permaneceram soberanas com seus galhos abrigando torcedores privilegiados nas sombras do alto de suas copas.

No Campo da Figueira assistimos o desfile de grandes craques como Patrício Cássia, Vítor Hugo Urizar, Inocêncio Rodrigues, Nery Alves Azambuja. Já num passado não tão distante, em meu tempo de Internacional recordo dos grandes goleiros Itico, o Airton Azambuja e Joel Portela. O Bugre do Comercial e o Milto do Ponta Porã também poderiam defender as metas de qualquer grande time nacional. Citando também os atacantes João Manoel Vasques e o Ademar Roncatti vamos voltar à figueira, pois de futebol, falaremos nos próximos dias.

Ponta Porã foi implantada sobre o planalto vizinho, a Cordilheira de Amambay e Serra de Maracaju numa planície próxima a setecentos metros de altitude. Local de muitas vertentes e cabeceiras de água, portanto, com muitos terrenos alagadiços e vegetação de baixo porte. As grandes árvores como a peroba, cedro, guatambu, guajuviras e canafístulas que forneceram madeiras para nossa colonização vicejavam nas imediações da atual zona urbana, principalmente em Santo Tomaz e margens do córrego Santo Estevão. A região central era desprovida de árvores.

Esse quadro permaneceu por muitos anos, até porque o plantio de frutíferas era sempre dizimado pelas fortes geadas anuais. Assim as duas figueiras, plantas nativas, resistiam aos inclementes invernos. Também os cinamomos oriundos do sul do País conseguiram sobreviver e com suas ramadas forneciam sombra nas novas moradas. Contra eles havia a constatação de atraírem raios em dias de chuva, por esse motivo seu cultivo era restrito.

No entanto, em minha infância na região central da cidade, além das duas figueiras hoje homenageadas e da outra exuberante também figueira, da Rua Guia Lopes, que fornecia sombra e abrigo na oficina do Adolfo Cândia ao lado do atual Hotel Damasco, os cinamomos ajudaram a construir o nosso desenvolvimento.

A maioria das oficinas mecânicas funcionava em suas sombras acolhedoras. No local onde hoje está o atual Banco do Brasil, nos fundos do quintal da casa do Cabo Borges e de dona Ingracia dois majestosos exemplares completavam o abrigo da oficina mecânica e da bicicletaria do Turco Abraão, onde na infância, por muitas vezes eu parei para remendar as câmaras dos pneus. Poucos dias atrás num final de noite no Casino Amambay em companhia do amigo advogado Dr. Hosne Esgaib saboreávamos um bom uísque ouvindo as guarânias interpretadas pela bela voz da emergente cantora Natália. E ele então lembrava do eclético bicicleteiro, soldador e sapateiro o Turco Abraão, que além disso tudo era um bom cantor de musicas árabes, libanesas e assim alegrava os companheiros da Colônia.

A oficina do Carlos Fróes, o violinista, conhecido como Carlito Marabá na Rua Paraguai, era também protegida por um cinamomo. E assim, as oficinas do senhor Brandão lá nos altos da Avenida Brasil em frente do atual Lava Jato do Duprat, a do Adolfo Justi na Marechal Floriano, atual Casa Eduardo e a Elétrica do alemão Willy especialista em geradores e motores de arranque, que além da grande árvore, tinha um pé de limão-rosa, especial para uma boa caipirinha. Esta oficina elétrica ficava onde hoje estão as Lojas Ponta Porã de Esportes do Acostinha e da Negra e da Loja de Colchões do Aristeu e Negucha.

Surgiu então o prefeito Pedro Manvailler que, para alegria dos municipes iniciou a primeira arborização de nossa cidade. A Prefeitura já dispunha de uma equipe chamada “Mata-Mosquitos”, uma espécie de Agentes de Saúde. Sua função principal era atacar e eliminar os focos de larvas dos insetos transmissores da maleita, um dos grandes inimigos dos colonizadores.

Nos meus quinze anos fui também uma vítima dessa doença endêmica, tratada e sanada pelo então prefeito Dr. Rachid Saldanha Derzi utilizando medicamentos que eram fornecidos pelo Onze de Cavalaria. Aquela equipe de mata-mosquitos foi preparada para executar o plantio e tratamento das primeiras árvores que iriam ajardinar nossas ruas e avenidas, além dos tratos culturais normais sua maior atividade passou a ser o combate às saúvas, uma formiga predadora que dizimava todos os vegetais.

Em certa época as culturas brasileiras foram tão atacadas por elas, que o Governo Federal para sua supressão criou no Ministério da Agricultura um setor de Mata-Formigas trabalhando com o slogan ‘O Brasil acaba com a saúva ou a saúva acaba com o Brasil’. Pois bem, para arborizar Ponta Porã o prefeito Pedro Manvailler também pressionado pelas donas de casa que na maioria cultivavam jardins em frente de suas residências, criou o time de Mata-Formigas.

O plantio das primeiras árvores começou no perímetro mais central da cidade, iniciando na esquina da Avenida Brasil com a Rua Presidente Vargas, onde era a residência do Dr. Rafael de Simone, um dentista, que merece um capítulo da História de Ponta Porã por haver idealizado e construído nossa primeira Usina Hidrelétrica no Rio São João, além de ter sido um pioneiro que nos legou descendentes que continuam contribuindo para com nosso desenvolvimento.

A espécie plantada foi a leguminosa Ingá, uma árvore também nativa da região e que ainda hoje pode ser encontrada nas margens dos córregos. Os moradores aplaudiram e todas as tarde podia-se observar pessoas regando aquelas mudas na frente de suas casas. Durante o inverno, enquanto novas, foram protegidas com feixes de capim ou com papelão para resistirem às geadas. O plantio se estendeu desde a casa do Dr. Rafael até à esquina da Rua Guia Lopes, nas proximidades da casa do prefeito. Mais ou menos onde hoje está o escritório do meu amigo colorado fanático, advogado Flávio Fortes.

Surgiu, porém, um imprevisto, que virou polêmica na cidade, pois numa certa manhã as mudas amanheceram cortadas e depredadas pelas vacas do Sr. Alfredinho Brandão. Eram muitos os moradores que tinham uma vaca de leite e seu cavalo no quintal. O caso dos Brandão era diferente, sendo proprietários da Pensão Jaú, a mais requisitada da época era bem em frente ao atual Banco Itaú, onde hoje o Jorginho Jacob tem seu escritório.

Dona Filinha, esposa do Alfredinho, tinha uma verdadeira fazenda urbana, pois tirava leite de trinta vacas e ainda dispunha de um touro muito parecido com o ‘Bandido’ da novela. Pela manhã, após a ordenha, todo aquele gado era solto na rua e ficava pastando nos gramados da Avenida Brasil, sendo que na hora de beber água entravam pela Tiradentes e se deliciavam no córrego e aguadas no terreno vazio onde hoje fica a revenda Ford, ao lado do Colégio Mendes Gonçalves. Na noite em que não foram recolhidas no quintal da Pensão Jaú, causaram os estragos na arborização.

Naquela época já era proibido soltar vacas e cavalos nas ruas. No entanto, alguns cidadãos não respeitavam as leis e os fiscais da prefeitura ficavam impotentes perante os protegidos pelas autoridades. Os animais quando apreendidos eram levados para as invernadas do Matadouro Municipal, atual área da Prefeitura chamada de horto florestal. Protegidos pelos coronéis políticos os infratores recuperavam os animais que logo seriam soltos novamente.

Pela pressão e também pelo apoio da maioria da população o Prefeito acertou um convênio com o Onze, e assim com ‘soldados peões’, foram presos logo no primeiro dia mais de cem animais. Fato muito comentado e aplaudido, ainda mais porque as rezes presas foram levadas para os pastos do quartel de onde só poderiam ser liberadas após o pagamento das multas. Os ingazeiros se recuperaram, cresceram e se transformaram em belas árvores onde a gurizada se deliciava com suas bagas suculentas.

Em 1966 o governador Pedro Pedrossian utilizou uma parte daquele enorme quarteirão das figueiras para construir o Centro Educacional José Pinto Costa, agora denominado arbitrariamente de Joaquim Murtinho. A área restante ainda abrigou o Campo de Futebol e as duas figueiras. Certo prefeito, sem se preocupar com a lógica que seria de ampliar o complexo escolar e esportivo naquele espaço, contrariando a vontade da comunidade ali construiu o Palácio da Figueira, a atual Prefeitura, ocasião em que uma das figueiras foi arrancada.

A população desejava que a construção fosse instalada na área de esquina onde está hoje o Corpo de Bombeiros, com espaços suficientes para abrigar todos os prédios institucionais necessários, com amplos estacionamentos. Assim como uma das figueiras, os ingazeiros sem tratos culturais foram fenecendo e a seguir erradicados pelo mesmo prefeito que implantou desordenadamente, na cidade, uma mistura de espécies vegetais próprias de florestas e inadequadas para a urbanização.

Observa-se também que pela falta de tratos culturais e principalmente porque não receberam poda de formação, hoje causam transtornos à população, e prejuízos aos cofres municipais. É comum notar-se pedreiros remendando os meios fios dos canteiros centrais. Galhos enormes ameaçam os fios da rede elétrica e se não forem tratados adequadamente vão com certeza provocar danos materiais e colocar em risco a integridade física dos moradores.

Em frente à minha casa, uma figueira ornamental já arrancou e danificou o canteiro central bem como perfurou a tubulação de manilhas do esgoto. Com técnicos em urbanização poderemos em parte sanar os problemas dessa arborização equivocada. Podas totais ou de rejuvenescimento devem ser feitas, bem como a erradicação daquelas julgadas sem recuperação.

Nos últimos dias acompanhamos pela Imprensa algumas manifestaçãoes sobre a nobre figueira, motivo desta matéria. Ela é de fato uma bela árvore e está no momento muito carente de tratos culturais adequados. Fala-se em multiplicação de mudas, fiquem porém atentos os senhores administradores municipais: Essa espécie florestal é uma semiparasita que exige muito espaço e não deve ser plantada próxima a edificações, suas raízes agressivas ultrapassam o raio de sua copa chegando rapidamente a distância de quinze metros arrancando muros, calçadas e alicerces de construções. As figueiras têm seu habitat em matas, e portanto é ali que elas devem ser preservadas. (Artigo escrito e editado no Jornal de Notícias, na Primavera de 2004).


A Figueira

(Poesia de Eva Siqueira de Jesus)


De uma pequenina semente, nasceu uma árvore... hoje centenária

Frondosa Figueira, da Rua Antônio João!

Tuas raízes fincadas ao chão, com segurança

Continua crescendo, Velha Figueira...

Sem homenagens este ano. Quantas greves te atingiu?

Quantos cochichos ouviu?

Grandes segredos guarda em tuas ramagens...

Verde cor da nossa Bandeira.


Brasil cheio de tantos trabalhadores

A espera de um novo amanhã

Com mais progresso e fé de vencer,

Serene a mente, da nossa gente, que vive aqui.


Na tua sombra acolhedora, quantas juras de amor e sonhos...

O clarão do Sol... o prateado da Lua!

Ouvindo promessas não cumpridas

Junto sempre está do teu Povo.


Pontaporanense continue a esperar... uma administração séria,

Para governar esta terra de irmãos, a nossa Fronteira.

Paraguay, Pedro Juan Caballero. Ouvir o som das Polcas!


Contra o tinido de bala que amedronta a Paz.

Para todos, vizinha da Prefeitura... mostra tua grandeza... e dê força!

Para quem vai governar este município.

Que Deus ilumine... os eleitores... para votar...

Setembro de 1996.



Nota do Autor: A última FIGUEIRA, no dia 29 de dezembro de 2011 foi atingida por um raio e por fortes ventos, tendo suas ramagens e o tronco totalmente danificados.

A velha figueira morreu.

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